sábado, 2 de maio de 2015

Alice no pais das maravilhas e Alice através do espelho. [Resenha]


 Nota: 



Inspiração 

                                                             Alice Pleasence Liddell

Em 4 de julho de 1862, um barco a remo transportava o reverendo Charles Lutwidge Dodgson numa excursão pelo rio Tâmisa. Junto a ele, além do amigo Robinson Duckworth, estavam as três irmãs Liddell: Lorina Charlotte, de 13 anos; Alice Pleasence, de 10 anos; e Edith, de 8 anos. Cada uma recebeu um apelido, ao longo da viagem, respeitando a ordem de nascimento. Assim, Lorina foi denominada “Prima”, Alice “Secunda” e Edith “Tertia”. O evento não era algo incomum na vida daquelas pessoas, o reverendo acostumara - se a levar as irmãs Liddell em passeios pelo rio, alternando conversas e contos de fadas inventados em cada ocasião, geralmente esquecidos nos momentos seguintes. Porém, Prima, Secunda e Tertia foram eternizadas num poema, que alude explicitamente àquela sexta - feira, naquela tarde de verão. E a história que povoou a imaginação das três meninas foi anotada, escrita e reescrita, depois publicada pelo reverendo em 1865, tornando-se um dos maiores clássicos da literatura de todos os tempos. O poema e a história foram dedicados a Alice Pleasence Liddell. Assim, Alice no país das maravilhas e depois Alice através do espelho alçaram o pseudônimo Lewis Carroll à posição de destaque na história da literatura, marcada pelo pioneirismo no tratamento das situações e também pelo uso até certo ponto incomum do recurso do nonsense (termo inglês que indica ausência de sentido) para o público infantil.
nonsense de Carroll continha um elemento extra na formação do texto: a matemática.
A obra de Carroll foi constituída através de jogos de linguagem, baseados na Lógica, nos quais os capítulos só terminam quando as proposições se esgotam. Carroll usou de seus conhecimentos matemáticos e lógicos para construir proposições em Alice no País da Maravilhas, sendo muitas vezes o significado particular da frase superado pela forma, sugerindo brincadeiras comuns em sua época.

Composição do romance


Os episódios que compõem uma narrativa, localizados no tempo e no espaço desejados pelo escritor, dependem de algum recurso de ligação para garantir a sua coerência interna. Este recurso pode ser estabelecido através do ritmo, do narrador, de um limite de tempo ou até mesmo de um personagem, entre outras possibilidades.
A análise do sumário da obra, observando os títulos dos capítulos, permite ver uma colagem de histórias, casos curtos que poderiam existir independentemente, se não fosse a intenção do autor escrever um verdadeiro conto de fadas, tornando a viagem pelo país das maravilhas um sonho de Alice, e fazendo a correspondência ao episódio inicial em que ela lê um livro enfadonho antes de cair no sono. A Lagoa de Lágrimas, Um Chá Maluco e O Campo de Croqué da Rainha são capítulos que remetem o leitor a cenas muito visuais, seja pela descrição nada usual dos acontecimentos ou pelo inusitado dos diálogos.
A concordância entre o início e o final aparece como uma prova de coerência na construção da narrativa, pois os leitores não exigem uma lógica total dos acontecimentos dentro do romance, uma vez que se trata do enredo de um sonho, universo onde as coisas mais incomuns são aceitas como naturais.

As diversas alusões dentro da obra

 Vários personagens e situações de Alice no país das maravilhas tiveram como inspiração o cotidiano de Lewis Carroll e a comunidade onde viveu. A personagem Alice foi inspirada em Alice Liddell, filha de Liddell, amigo de Carroll. Apesar de a menina e a personagem terem o mesmo nome, ambas eram muito diferentes
O frasco de remédio vitoriano era arrolhado, com um rótulo de papel amarrado no gargalo assim como a garrafa com o líquido que Alice toma para encolher em sua primeira mudança de tamanho.
Uma chave de ouro que destrancava portas misteriosas era um objeto comum na literatura vitoriana. A portinha para um jardim secreto era para Carroll uma metáfora de eventos que poderiam ter acontecido se tivesse aberto certas “portas”. As doze mudanças de tamanho sofridas por Alice ao longo da história poderiam estar ligadas ao desejo dele de que Alice Liddell fosse adulta para que pudesse se casar com ela. O poema da carta usada como prova pelo Coelho Branco no julgamento é inspirado pela canção Alice Gray, que conta à história do amor não correspondido de um homem por uma moça chamada Alice.
Mary Ann, na época de Carroll, era um eufemismo britânico para criada. O coelho
Branco chama Alice assim em um momento no qual dá ordens a ela. Ele está sempre procurando por suas luvas, peças tão importantes para Lewis quanto para o Coelho, pois em todas as estações do ano o escritor sempre usava um par de luvas de algodão cinzentas ou pretas.
No capítulo “Conselhos de uma Lagarta”, a lagarta lê o pensamento de Alice. “Carroll não acreditava em espiritualismo, mas acreditava na realidade da percepção extra sensorial e no poder da mente mover ou deformar objetos inanimados.” A Lagarta fora inspirada nos professores que davam conselhos na Universidade de Oxford, onde Lewis estudou.
Em toda a história de Alice são encontrados 24 poemas, entre os quais 10 são paródias de poemas e canções inglesas da época de Lewis Carroll. “Os poemas e os versos que Alice recita, e que parecem não ter sentido nenhum, são sátiras aos poemas enfadonhos que as crianças inglesas daquela época tinham que saber de cor.” A posição de Alice, de mãos unidas, ao fazer recitações indica que era exigido das crianças da época saber as lições de cor.
O autor do romance adorava crianças, mas detestava meninos.
A nogueira onde aparece o Gato de Cheshire ainda existe nos dias de hoje, no jardim do Colégio de Deanery. O Gato de Cheshire refere-se aos queijos do condado de Cheshire (onde Carroll nasceu) que tinha a forma de um gato sorridente. Ao partir o queijo na forma de gato, a tendência seria começar pela calda até que finalmente só restasse na travessa a cabeça sorridente, o que nos remete ao episódio no qual o gato desaparece a começar pela cauda e termina com o sorriso.
O dia do chá maluco não é uma data qualquer, é o dia do aniversário de Alice Liddell, 4 de maio.  A parte na qual a Lebre de arço e o Chapeleiro Louco tentam enfiar o Caxinguelê no bule de chá pode estar relacionada ao fato de que crianças vitorianas costumavam ter ratinhos como bichos de estimação e conservavam-nos dentro de bules cheios de capim ou feno.
A Lebre de Março refere-se ao mês do cio das lebres; o Chapeleiro é louco por causa de uma substância alucinógena usada na fabricação de chapéus; o Leirão dorme muito por ser um animal que hiberna no inverno e a Falsa Tartaruga refere-se à sopa de falsa tartaruga, que na verdade é feita com carne de vitela. Na catedral, onde o pai de Lewis era reverendo, existe talhada em madeira a imagem do grifo que inspirou o Grifo, amigo da Falsa Tartaruga.
Carroll dedicava muito tempo à invenção de maneiras inusitadas de jogar jogos conhecidos, e talvez por isso, o jogo de croqué da Rainha possuísse elementos vivos.
Devido às semelhanças no comprimento dos nomes, e às posições das vogais, consoantes e letras duplas no último nome, acredita-se que Charles tenha se inspirado na formação do nome de Alice Liddell para criar seu pseudônimo Lewis Carroll


O lado real do país surreal.

A obra é cheia de referências ao mundo de Lewis Carroll:

Violência

"Cortem-lhe a cabeça", diz a Rainha de Copas. O trecho revela que os leitores vitorianos não se chocavam com cenas de violência, mesmo se descritas para crianças. "Não se deveria permitir que livros como Alice no País das Maravilhas circulassem entre adultos que estão se submetendo à análise", afirmou o crítico Martin Gardner.

Crítica aos colegas

O reinado da rainha Vitória viu surgir uma nova geração de poetas, como Lewis Carroll e Edward Lear (1812-1888), que trouxeram humor e absurdo ao tradicional formato do poema clássico. Em Alice, Carroll ridiculariza diversos autores famosos na época, como Robert Southey (1774-1843) e Mary Howitt (1799-1888).

Amadurecimento

As transformações corporais sofridas por Alice são uma metáfora para o crescimento de meninas com a chegada da puberdade, oportunidade para inúmeras interpretações psicanalíticas. Carroll, aliás, nunca escapou de analogias (à pedofilia, por exemplo) e críticas a seu carinho por meninas de 8 a 12 anos, entre elas a Alice original.

Existencialismo

"Lagarta para Alice: ‘Quem é Você?’. Alice responde: ‘Eu... nem eu mesma sei, Sir... pelo menos sei quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias mudanças desde então’." Para muitos críticos, tais indagações antecipam a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980).

Matemática aplicada

Autor de estudos de lógica, Carroll era fascinado por charadas. No capítulo 9, o Grifo (animal mitológico com cabeça de águia e corpo de leão) diz quantas horas por dia estudava: "Dez horas no primeiro dia, nove no seguinte, e assim por diante". Alice responde: "Nesse caso, no décimo-primeiro dia era feriado?" Ela está certa.

Tamanho e o caminho para a maturidade


Alice no país das maravilhas é a narrativa do sonho de uma garotinha. Como é comum em todos os sonhos, as regras da realidade são quebradas, e isso é analisado pela própria personagem como em um jogo. A garotinha precisa entender e resolver o jogo, antes que sua irmã a acorde e a traga de volta ao mundo real e normal.
Alice é uma obra que permite várias interpretações. Uma delas é a de que as mudanças, conflitos e aprendizados da adolescência podem estar representados na obra. Alice entra na aventura sem pensar em nada, de repente, como se entra na adolescência. A questão do tamanho nos lembra que a adolescência está presente em todos os episódios da história:
“Alice está sempre crescendo e diminuindo dependendo da situação e isso certas vezes é conveniente ou não para ela.”
No primeiro capítulo, Alice reduz de tamanho e parece se tornar insignificante. Essa transformação faz com que ela tenha medo de encolher até desaparecer. Em alguns episódios, Alice cresce de forma desenfreada. O adolescente se sente insatisfeito, ao perceber que crescer traz consigo inúmeras responsabilidades.
Em várias circunstâncias o tamanho representa novas possibilidades. Pequena, Alice pode entrar no jardim, mas grande, pode pegar a chave. Grande, sente-se mais confiante no julgamento no final do livro.
Na passagem em que o pescoço de Alice cresce, sua capacidade de observação se torna mais ampla. Depois de experiências vividas na adolescência passamos a ter uma nova visão do mundo. Alice considera o país das maravilhas mais divertido, mas sente saudades do mundo real. O adolescente adora as novas possibilidades dessa fase, mas sente saudade das facilidades da vida enquanto criança.
No país das maravilhas, Alice sente que pode usar a mágica como recurso para tornar-se invencível. Ao afirmar que quando for adulta vai escrever um conto de fadas, revela o desejo de controlar tudo que acontece no mundo a sua volta.
Quando Alice fala sobre a dúvida de quem realmente é, no diálogo com a cigarra, a personagem demonstra um estado confuso típico da adolescência diante da rapidez com que as mudanças acontecem.
Ao final do livro, Alice recupera seu tamanho normal, porém a maturidade vinda das experiências vividas ao longo da história a investe de uma grande coragem para enfrentar o julgamento. Quando Alice acorda, sua irmã pensa se ao crescer ela conservará o coração simples e amoroso da infância. Lembra alguém que passou pela adolescência e se lembra dela com saudades. Nesse momento, a irmã de Alice percebe que ela despertou do sonho muito mais madura.

Alice e o problema do tamanho


As mudanças de tamanho mexem com o psicológico da personagem, levando-a a explorar suas capacidades, enquanto impõe novas circunstâncias a cada capítulo, fazendo o romance progredir.
Tome-se por exemplo um dos episódios iniciais em que Alice está num grande salão e identifica uma porta pequena na parede, antes escondida por uma cortina. A menina então encontra uma chave minúscula, sobre a mesa de vidro, e abre a portinha, revelando um belo jardim. Sua intenção é chegar àquele novo lugar. E a necessidade de Carroll é avançar no romance, criando novas peripécias para a protagonista. A transformação do tamanho aparece, pois, como uma solução para o desejo de Alice (e de Carroll).
O problema do tamanho lida com o crescimento e os obstáculos encontrados no caminho para a maturidade. A personagem busca se superar diante de cada obstáculo desenvolvendo a postura de uma heroína, e nem mesmo a sua constante crise de identidade a impede de continuar questionando e desejando mudar seu tamanho para ultrapassar portas e adentrar recintos novos. A última mudança acontece espontaneamente, talvez porque Alice estivesse prestes a voltar à realidade.

No cinema




Alice no pais das maravilhas ganhou varias adaptações para o cinema e series de TV.




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